Monday, August 06, 2007

CARRAQUISMOS E CARRASCÃO (versão original)






As distinções cruciais confundem-se com capitulações.


A persistência faz o carrasco.


Ele prefere expressões que hesitam em ir por caminhos alheios, mas ainda gosta menos das que ficam em casa.


O assunto ao fim de algum tempo acaba por rolar no chão.


Corta cabeças para refutar a sua.


Escreve para que a intimidade alheia seja excessiva e problemática.


Uma escrita «aberta» acaba por fechar muitas portas.


A complexidade monta em frases fáceis para andar mais depressa... e ao contrário.


As pessoas demasiado subtis tornam a comunicabilidade impraticável.


Tem algumas auto-consciências postiças para dissimular a que foi decapitada.


Escreve notas porque evita o livro. Publica livros para fazer desaparecer as notas.


A interrogação como elisão do seu objecto.


As cores não ignoram as circunstâncias.


O potencial esgota-se na propensão para o acontecimento. Os acontecimentos não se esgotam neles.


O carrascão elucida mais a lucidez do que um bom borgonhês.


Apesar de se declarar inexperiente tornou-se um expert na inexperiência.


Só se consegue lembrar daquilo a que não prestou atenção.


Triplicou-se no indescritível.


Faz caminhadas para se limpar das ideias.


Ajuda as pessoas a não pensar só nelas nem só nos outros.


Tenta comercializar o anonimato sem lucro.


Escreve mas não fala. Em ambos os casos opta pelo silêncio contra o silêncio.


Reforça-se refutando-se.


A objectividade é uma alucinação. Ele inexacto.


O mundo nunca poderá escrever a sua atribulada história.


As palavras acabam por descrevê-lo exactamente como não é. Isso fá-lo sorrir.


A distância encena as aproximações.


A maior parte das questões gostaria de se tornar carnívora.


Sexo sem sexo? Ou deboche como ascese?


As expressões que usa, apesar de aparência fraca, acabam por induzir muita gente a coisas fortes.


O mundo é maquilhagem. Porquê limpá-la.


Ele é a prosa mesquinha das línguas maternas. O lirismo chegará mais tarde, só para chatear.


A prosa torna as coisas rudes mais contornáveis.


Há respostas a mais para perguntas medíocres mas não há nenhuma para as interessantes.


Os romances são escritos ao lado das interrogações.


O desaparecimento das perguntas tornou-se num romance policial.


As coisas ordinárias são as que realizam as pessoas extraordinárias. Ninguém realiza coisas extraordinárias?


Antes de o lerem já o acham um imbecil. Depois de o lerem acabam por achá-lo um poltrão.


Quem é que tem paciência para viver mais de 200 anos?


A todo o momento se desconcentrava.


Não podia regressar ao ponto de partida porque lho tinham roubado.


Não conseguia pensar nisso embora já começasse a esquecê-lo.


Não se conseguia reconciliar com qualquer feitio burocrático.


Cada linha que escrevia sobrava-lhe à retórica do terror.


Admitia o riso como dispositivo de tradução na escuridão.


Enunciava o que desconhecia como se fosse a coisa mais importante.


Só colocava hipóteses numa linguagem hipotética.


Sentia a novidade como clima propício para a futura banalidade.


Quando um tigre de papel a rugir aqui - chuvas ácidas acolá.


Tinham-lhe cortado a língua para que pudesse falar pelos cotovelos.


A tagarelice alheia provocava-lhe a sensação de que era ventríloquo.


O que é que ocorre antes do nome das coisas?


Usava os adjectivos como uma forma de animalização.


Exercitava-se num rigoroso strip-tease verbal. O que é que está nu dentro das palavras?


À falta de citações adequadas tinha que forjar falsas.


Podia não ter graça, mas dava-lhe vontade de rir. O quê?


Pode ser um tipo fácil, mas acabará por rondar as tuas ideias como uma fera faminta.


As questões abortavam porque não encontravam assuntos.


A vontade de ser animal coexistia com a de ser planta, mas desenraizada e se possível com asas.


Se fosse Deus não seria tão agarrado ao mundo.


Procurava oportunidades para concretizar falhanços.


Xaropes de ideias brilhantes.


Pedais para acelerar o entusiasmo.


O sucesso como recusa não deliberada.


Alguma percentagem de ideias e muita de Vazio.


Quando Deus inventou o Diabo só quereria tornar esta peça mais interessante?


Em vez de um mundo melhor, um mundo maior? Diabólicos melhoramentos?


O objectivo paradoxal da massificação é tornar tudo incorpóreo.


Os mortos meditam na carne e têm fome.


Não se lembra de nenhuma especificidade curricular excepto esta.


Folheia os livros para os ler nas ordens erradas.


Há alguma possibilidade que ainda seja impossível.


Viver tornou-se-lhe uma tarefa fácil, apesar da indisciplina.


Escrevia a autobiografia como se fosse numerosos inimigos.


Ter respostas chatas como pulgas.


Antes de aldrabarem os outros os místicos aldrabam-se a si mesmos. Ele autoproclamva-se aldrabão profissional mas não sabia sê-lo.


Ele era a pessoa com a identidade errada.


Os números precisam de mais dedos para serem contados.


Os mais belos desejos aumentam o esplendor das criaturas.


Estava possesso embora sem sentido de posse.


O alívio justifica e dispensa a filosofia.


A fúria do mundo deixava-o ainda mais apaixonado.


Quando nascemos as palavras que aprendemos vêm hipotecadas.


Uma autobiografia em duas linhas não justifica uma vida plena.


Fazia publicidade ao exibir os frequentes erros.


Sentia-se tão estúpido por se estar a enriquecer sem ter riqueza.


Preferia a exuberância a qualquer essência.


Desfazia-se da argumentação embora desconfiasse da intuição.


Aumentava o conhecimento para o tornar mais incompleto.


Quando dizia, o que tinha para dizer ficava invisível.


Por cada palavra riscada acrescentava uma dúzia.


A glória ou o inesquecível sob a capa do anonimato.


O sublime como uma rasteira.


Seria mais correcto pedir explicações ao acaso.


Tudo no testamento era mentira.


Tinha um nariz implantado entre as pernas.


O equívoco persistente, mesmo antes e depois do mundo.


O epitáfio: «Cuidado! Ainda não estou farto de renascer!»


Cresce obliquamente na ubiquidade.


As parábolas exageram nas palavras mas não nos factos.

0 Comments:

Post a Comment

<< Home