DELALANDE SEGUNDO NABOKOV
"One author, however, has never been mentioned in this connection -- the only author whom I must gratefully recognize as an influence upon me at a time of writing this book; namely, the melancholy, extravagant, wise, witty, magical, and altogether delightful Pierre Delalande, whom I invented."
(«O dom» - pag. 350)
Quando perguntaram ao pensador francês Delalande no funeral duma determinada pessoa porque razão não se descobria (ne se découvre pás), ele respondeu: «Estou à espera que a morte o faça primeiro (qu’elle se découvre la premiére)». Há nisto uma falta de cavalheirismo metafísico, mas a morte não merece mais. O medo engendra o terror sagrado, o terror sagrado erige um altar de sacrifícios, o fumo ascende ao céu, aí assume a forma de asas, e o medo, prosternado, dirige-lhe uma oração. A religião tem a mesma relação com a condição celestial do homem que a matemática com a sua condição terrena: tanto uma como a outra são as regras do jogo. Fé em Deus e fé nos números: verdade local e verdade do lugar. Eu sei que a morte em si não tem relação com a topografia do além, pois uma porta é meramente a saída da casa e não uma das suas imediações, como uma árvore ou uma colina. Uma pessoa tem de sair de uma maneira ou doutra, «mas recuso-me a ver numa porta mais do que um buraco e um trabalho de carpinteiro» (Delalande, Discours sur les ombres, pag.45). E mais: a infeliz imagem da «estrada» a que o espírito humano se habituou (a vida é uma espécie de jornada) é uma ilusão estúpida: nós não vamos a lado nenhum, estamos sentados em casa. O outro mundo rodeia-nos sempre e não é de modo nenhum o fim duma peregrinação. Na nossa casa terrestre, as janelas são substituídas por espelhos; a porta, até um dado momento, está fechada; mas o ar entra pelas frestas. «Para os nossos sentidos caseiros a imagem mais acessível da nossa futura compreensão dessas imediações que deverão revelar-se-nos com a desintegração do corpo é a libertação da alma das órbitas da carne e a nossa transformação num olho completo e livre que pode ver simultaneamente em todas as direcções, ou, noutros termos: uma penetração hipersensorial do mundo acaompanhada da nossa participação interior.» (Ibid. p. 64) Mas tudo isto são simbolos, símbolos que se tornam um fardo para a alma assim que esta os examina de perto...
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